UM POUCO SOBRE A HISTÓRIA DA FEIJOADA

03/03/2015 14:46

 

                                                     

                                                           A Feijoada como celebração alegórica da nacionalidade

     A feijoada não pode ser compreendida sem o ritual que a cerca – inclusive com determinação de dias próprios da semana para seu consumo – e sua capacidade histórica de evocar a nacionalidade. Esse conjunto de determinações transforma a modalidade avantajada de feijão gordo em feijoada, que se come às quartas-feiras ou aos sábados, acompanhada por couve e laranja picada, além do arroz e, claro, uma caipirinha de limão e cachaça.

     Existem referências culinárias que se utilizam de feijões e carnes, por exemplo, em Portugal e em outras regiões do Brasil, mas a associação estrita entre feijão-preto e as carnes específicas (carne seca; costelinha de porco; linguiça calabresa; paio; toucinho defumado; pés de porco; rabo de porco; orelha de porco), constituindo a feijoada que chegou até nossos dias, teve origem no Rio de Janeiro – onde esse tipo de feijão é mais popular -, e se difundiu como prato urbano, especialmente em hotéis e pensões cariocas, podendo também ser encontrada em cardápios de alguns restaurantes do centro da antiga capital. Não se comprova, portanto, que a feijoada tenha nascido nas senzalas, como espalhou o folclore alimentar, contudo, não deve ser afastada sua ligação com os escravizados e libertos urbanos do final do século XVIII e XIX (segundo testemunhos de viajantes, como Debret, a alimentação dos escravos urbanos no Rio de Janeiro era lastreada de feijão-preto, farinha de mandioca, laranjas e bananas, havendo aqueles que aplicavam o dinheiro da venda de suas hortaliças na aquisição de carne-seca ou toucinho) e com o universo negro que se desenvolveu na Pequena África (região do Rio compreendida pela zona portuária, Gamboa e Saúde), onde o Samba criou raízes e se desenvolveu.

     Contudo, foram os modernistas que, a partir dos anos 1920, fizeram da feijoada um signo de brasilidade. Com eles um novo ideário racial se firmou, invertendo o sentido negativo que até então predominava na apreciação do negro. A “mestiçagem” passou a ser vista como um aspecto positivo e original na vida brasileira, fazendo a feijoada ser incorporada como bandeira de afirmação nacional por intelectuais urbanos, porta-vozes da afirmação do Brasil como nação e consagrada como prato nacional-popular no triângulo Rio-São Paulo-Minas, onde se aglutinava essa mesma intelectualidade, influenciada pela industrialização.

     Mas a feijoada é um processo em andamento e não um fato acabado, ainda tendo que continuar enfrentando outros pratos simbólicos, nas outras regiões do país, para sua completa afirmação como prato nacional-popular, e reafirmar, ou não, sua “receita tradicional”, uma vez que é cada vez mais raro encontrá-la com rabinho, orelha e pé de porco.

Bibliografia consultada:

1- “Formação da Culinária Brasileira” – Carlos Alberto Dória;

2- “Revista de História da Biblioteca Nacional” – Ano 3 – Nº 29 – Fev. 2008